.
Há, na história humana,
quem já tenha almejado um mundo perfeito.
.
Outros tantos têm menos ambição:
desejam apenas um corpo perfeito,
um emprego perfeito
ou um amor perfeito.
.
Mas há uma triste distorção desta idéia: a perfeição.
.
Costumamos tratá-la como algo a se perseguir e se conquistar -
algo como uma ilha que, se alcançada por nossas caravelas,
nos redimiria de nossa miséria e de nosso tédio.
Algo a se copiar de capas de revistas
e de propagandas de TV, como se o vazio
de uma imagem manipulada pudesse preencher
o vazio de nossas almas neuróticas.
.
Mas a perfeição não se aponta aos olhos de alguém:
revela-se no convívio. Porque perfeição
pertence ao terreno da ética - não da ótica.
.
.
Jamais segrega: une.
.
É que a perfeição jamais se doutrina: é uma descoberta
de nossos corpos no espaço. Porque perfeição
pertence ao terreno da estética - jamais da estática.
.
Jamais corrige: ilumina.
.
Mais próximo da luz do fogo e do desenho da água
do que da fusão de uma liga metálica, a perfeição
é mais a dança que nos revela
do que a engenharia que nos constrói -
não é nunca um círculo perfeito, senão uma forma
que se nos encaixa por um segundo.
.
Porque a perfeição é do campo do instante.
.
Filmes e livros e preces em lugares de aconchego.
Jantares regados de risos com bons amigos.
Uma velha canção no rádio invadindo a madrugada.
Sexo com quem se ama.
.
A visão do sorriso de um bebê.
.
Perfeição é a alegria que não ignora a dor.
Bem mais próxima do prazer
do que da felicidade -
esse sonho de consumo.
.
A perfeição não é um ponto de vista,
é um ponto de partida. Sem ela, só há cinismo.
.
.
Porque utopia não deveria ser um desejo,
mas um princípio.
.
.
(texto e desenho: Chuí)