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quarta-feira, dezembro 24, 2008

Beijoculto


Amigos,

Este é o último post deste ano de 2008. E que ano bom.
O CD está concluído, os shows foram ótimos e minha pesquisa sobre o desenho tem me feito crescer muito. E os novos projetos, tantos. Agradeço muito aos amigos que compartilharam deste espaço comigo, e já anseio por novos diálogos e criações.
A vida segue tão bonita quanto terrível. Deixo aqui meus votos de muita coragem, serenidade e saúde para que, neste ano que pousa, possamos mudar algo importante nessa coisa toda sem deixar que essa coisa toda mude algo importante em nós.
Que o novo ano chegue novo como um sorriso e velho como um compadre.
Abaixo um poema de esperança.
Bons rituais a todos!
Fernando Chuí


Beijoculto

Não está dentro.
Nem fora.
É um deslize
nas esquinas do projeto.

Não está além.
Não está implícito.
É um erro lindo
nas entrelinhas do desejo.

Não está visível.
Nem invisível.
É um desvio ritual
por entre as dobras do metal.

Só nós dois sabemos.
Só nós dois podemos.
Estamos salvos.

Pois ali jaz um beijo.



(texto e desenho de Chuí/clique na imagem para ampliá-la)

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Memória de Desenho


"- Pai, o demônio existe de verdade?
- Não, fio, não se ´ocê não olhar pra ele. E segue andan´u que em u´a hora a gente tá em casa.
- Tá bom, pai. Ma´ é que eu tô c´uma fome danada..."

Memória de Desenho

Fiz este desenho de memória ontem à tarde.

É curioso que, em desenho, chama-se "de memória", aquele que não parte da observação direta de um objeto. Qualquer forma de invenção figurativa no desenho leva o nome de memória. Estimulado pelo trabalho de um aluno de desenho que tive recentemente, um rapaz talentosíssimo - que trabalha como vigia noturno - criador de incríveis paisagens de memória em caneta BIC, fiz esta cena rural. Memória de um lugar que eu nunca fui, diga-se.

Só depois de finalizar o desenho, lembrei-me que eu passava por uma estradinha parecida com esta no Embu quando criança. Ao irmos para a chácara que tínhamos lá, meu pai sempre dava carona em nosso fusca para famílias como esse pai e esse filho da imagem. Confesso que eu, garoto, detestava. Ficava incomodado com pessoas estranhas ao meu lado, com cheiro de lama. Mas meu pai continuava levando essa gente pra cidade. À época, ele tinha ainda esperança em um país solidário.
Mas memórias nos levam a ver a mudança das coisas à nossa volta. Um dia, ao descrever já adulto o caminho para o Embu a uma amiga que viria à chácara, disse que era uma estrada de terra. Ao passarmos por lá, vimos que não havia nem sinal dessas estradinhas. Elas foram todas asfaltadas. E meu pai já não cogita dar caronas pelas estradas estatisticamente perigosas do Embu.

Junto com a lembrança da estradinha surgiu este mini-conto que postei acima. Pensei que memória, como no desenho, é sempre invenção.

Por isso, não vejo nada mais honesto do que lembrar bem das coisas. Com isso, quero dizer, lembrar as coisas para o bem - seja lá o que isso queira dizer. Quiçá pinçar as minúcias poéticas de cada experiência guardada na mente neurótica pra compor um cenário - senão justo, senão limpo, senão puro - ainda belo. E beleza, segundo o escritor francês Stendhal, é uma promessa de felicidade.

Pois se memória é invenção, o passado é uma ficção; e mais do que justos, creio que podemos ser bons escritores, bons desenhistas nesta vida. Para mim, estradas de terra continuam a ser percorridas a pé somente por famílias justas, belas e fortes. É o que o desenho me faz lembrar.

É a felicidade que eu inventei.


(textos e desenho de Chuí - clique na imagem para ampliar)