
O artista não cabe em uma caixa.
Mas como saber onde ele se encaixa
se é dentro de caixas que ele é vendido?
Reluta, transgride, por fim concorda
(seu coração sempre transborda).
O artista se esforça a caber na caixa,
pois há no planeta uma legenda:
"Quem mora aqui e não está à venda
não tira a venda de si".
E faz do diabo um retrato belo.
E faz-se refúgio ou fugitivo.
E faz, na ferida do mundo,
um mágico lenitivo.
E nesse momento de desilusão,
ele reencontra o seu lugar.
Mas o mundo é o mundo
porque dá voltas.
Se ultrapassa e se reinventa.
Que ironia, o artista
que antes não se encaixotava
por um princípio, um ideal,
agora não entra mais nessa feira
pois lhe comprar já não há quem queira.
O mesmo artista retorna agora
ao posto antigo, marginal,
arquitetando suas novas caixas
pra se vender essencial.
O infeliz não está à venda,
mas se desdobra a ser comprado.
E nesse momento de extravio,
ele reencontra o seu lugar.
Produz agora porque precisa.
Produz da lógica a revelia.
Produz, à noite, um outro dia.
E se expõe novamente a revoluções.
Vive a sonhar-se em muitas caixas
bem bonitas, aos borbotões.
No ar, na madeira, no aço
ou no cyberespaço
Lança as caixas ao vão
feito bumerangue.
Quer distribuir,
autógrafos em cada uma delas,
com seu próprio sangue.
E nesse momento de ilusão,
ele reencontra o seu lugar.
(Ilustração de "Indecifraveu" de Chuí - work in progress)