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domingo, agosto 26, 2007

O palíndromo de Roma


Roma fundou
o oposto do amor:
o império de dentro
pra fora.

Crescer, crescer,
tornar-se maior
tomando mais e mais
territórios à sua volta.
Assim se inventou
o conquistador:
Alexandre, Julio César, Don Juan.
De mil espaços,
de mil governos,
de mil mulheres.
.
Foi assim também
que se instaurou
o império da metrópole.
Os geógrafos nos explicam,
a urbis é o organismo
que cresce para os lados:
para fora.
Com seus milhões de carros, de casas,
de gentes e de ausências -
Acelerado, desordenado
e para fora.

Assim se faz devastar
o lugar chamado amor.
Fecundando paixões falsas e suicidas,
gotas de perfume, lágrimas
que se derramam sobre um rio negro,
circulos que se desenham
e se desmancham
ao crescer para fora.
.
O amor é o contrário da metrópole,
cresce para dentro
quando a lógica seria transbordar,
não de alegria,
mas por falta de espaço,
falta de tempo.
Pois o tempo do amor
corre à margem do império -
uma margem que corre dentro.
.
Roma e Amor -
um palíndromo não é por acaso.
(acaso é a morte de todos nós)
O amor é uma força contínua
que só é capaz de crescer
para dentro.
.
Para dentro,
é somente para dentro
que todos os caminhos
levam a amoR.
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(texto e desenho de Chuí)

segunda-feira, agosto 20, 2007

O Nome do Rei

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- Eu sou o Rei da cidade! - bradou o homem,
ao acordar em meio a notícias de anteontem
de seu sono profundo às cinco e meia da tarde
em plena avenida Paulista.
Chamava-se Rei, mas
- Mãe, aquele homem parece um macaco!
Carla segurava forte a mão da mãe com os olhos vidrados
naquela curiosa aparição.
Chamava-se Macaco, mas
- Não olha não, minha filha,
vai que esse homem vem falar com a gente.
Meu Deus, ele deve dormir com os ratos...
A mulher obesa de cabelos vermelhos nomeada Ruth
apertou o passo, machucando o braço da menina
com a boneca de baixo do braço direito.
Afastou-se em instantes da visão insólita
sem olhar para o rosto do mendigo.
Chamava-se Rato, mas
- Velho, olha aquele figura ali de pé...
- Nooossa, meu, parece o Napoleão.
Marco e Rafael, vindos do cursinho,
riam e brindavam com seus copos de cerveja
a vagabundagem personificada por aquele que
chamava-se Napoleão, mas
- Sai da frente, ô velho idiota!!!
De terno fino, Augusto cortava a fala tensa ao celular
para aquele justo xingamento, dado o inconveniente
daquela presença no meio da calçada
bloqueando seu andar apressado
do executivo em apuros.
Chamava-se Velho Idiota, mas
.
- Eu sou o sono dos bons! Sou o sonho dos cães!
.
Eram cinco e trinta e sete da tarde
quando delírios em preto e branco
salvaram a espécie humana
da extinção.
.
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(texto e desenho de Chuí)

domingo, agosto 12, 2007

A Execução


Um segundo de lucidez
se anunciou como meu carrasco.
Trazia o emblema da verdade
no fronte de um uniforme de general.
Ordenou gaboso minha sentença
como quem declamasse
um poema decorado de outro.
Sobre o chão, que craquelava em múltiplas ausências,
aquele segundo de aço veio marchando
por entre aquelas varizes de silêncio
que se desenhavam à minha volta
desbravando meus terrenos
com seus facões e retóricas
até invadir o meu peito
como um membro artificial
reclamando-me uma vaga.
.
Foi quando ocorreu a execução.
O segundo, que não me deixou saída
a não ser transbordar de mim,
fez-se do metal à pedra à areia ao vento,
executando-se a si mesmo
como em todo assassinato oficial.
.
Fui-me para sempre.
Deixei tudo ali,
levei apenas meu corpo.
E me atirei nessa hora
para dentro do você.
.
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(texto e desenho de Chuí)

domingo, agosto 05, 2007

Dois Fogos

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Há na alma algo de metal
que se funde em coisas sem nome.
Há no corpo algo de papel
que se queima ao inevitável.
Há no universo algo de plástico
que se derrete, anti-galáxia.
Há na memória algo de pano
que se eleva, bandeira em chamas.
.
E há dois tipos de fogo:
um que lume
e outro que incêndio;
um que ardor
e outro destruição;
um que cauteriza
e outro que carboniza;
um que aceso
e outro que apago;
um que dança qual labareda
e outro que agoniza qual epilético;
um que calor
e outro que dor.
.
Há dois tipos de fogo:
o primeiro é o mesmo que o segundo.
Filhos da mesma combustão,
da mesma fumaça -
um é pai do outro
e vice-versa.
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Cuidemos, pois, da brasa e do carvão.
.
Dois,
em cada um de nós.
Que o mesmo fogo
segue os dias a cinzelar.


(Texto e desenho de Chuí)