
Quero falar de uma dor. De todas as dores que há essa é a que dói menos; e a mais perigosa. Ela é lenta, mansa, suportável.
Corrói aço feito ácido; Rói cama qual cupim. Faz de si uma estrada longa e do destino uma coisa ruim. Um vestido preto e longo por muitos anos ela costura; tanto bate até que fura.
Você olha para trás e vê tudo que há pra andar de volta caso quisesse se ver livre dela. Você acha que essa dor é vitalícia; porque essa dor é amiga da preguiça.
Prefira as dores agudas; As dores declaradas, inocultas; As dores de corno, as dores de barriga; As dores de pancada, as dores de luto. Mas não essa dor que tem cheiro de roupa de cama velha e gosto de comida estragada. Essa dor que age no escuro.
Ela é socialmente aceitável; não tem glamour. Essa dor é tão patologicamente tolerável que o ilude a ponto de pensar que ela e você não são coisas diferentes.
Mas você não é uma dor, você é uma pessoa; que pode escolher acolhê-la, acarinhá-la, incorporá-la. Até casar-se com ela.
Ou você pode traí-la: declarando, apontando, iluminando-a a ponto de ser impossível negá-la. Até que ela seja vergonhosamente exposta até o seu fim. Dor que é reflexo de nossa própria covardia.
Tire fotos, acenda tochas, ative todos os holofotes.
Pois é ela que perde a força diante da luz.
(texto de desenho de Chuí)