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terça-feira, novembro 16, 2010

Evandro Affonso Ferreira - O Van Gogh que cortou minha orelha


"Saiu a biografia de Van Gogh. Lindíssima.
Gostaria, entretanto, que os editores me explicassem
o motivo pelo qual o livro tem apenas uma orelha".
(Evandro Affonso Ferreira in Bombons recheados de cicuta)


A figura do artista pobre, solitário e não reconhecido em sua genialidade se tornou clichê na imagem do pintor Van Gogh. Muitos tolos pensam e declaram isso de si mesmos, como se o mundo lhes devesse a fama e que a injustiça maior da humanidade seria o fato de não serem badalados e endinheirados por seu talento incompreendido, Van Goghs perdidos na liquidez da nova era.

No entanto, até hoje, só conheci um ser que realmente fizesse jus a essa comparação.

Evandro Affonso Ferreira escreve diariamente em caneta BIC pelos cafés do shopping Higienópolis, escreve por necessidade, escreve por transbordamento, por encanto e lucidez. Quase tão boa como sua literatura é a sua companhia (a não ser que você tenha estômago muito delicado).

Nesta quinta, Evandro Affonso Ferreira lançará o livro "Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus", o primeiro de sua trilogia de solidões pela Editora Record. Pediu-me certa vez que lhe fizesse a capa, algo que rapidamente produzi, fácil, pois descobrimos que é disso que se trata sua nova fase: uma literatura Tarja Preta!

Absurdado pela beleza das palavras dessa obra, fiz também um texto para a orelha. No entanto, essa foi cortada por Evandro ao se deparar com o belo texto de Juliano Pessanha, filósofo e estudioso de sua obra. Por ter utilizado a outra orelha, Evandro sentiu-se embaraçado ao falar comigo sobre isso. Mas eu lhe disse:

- Van Gogh cortou sua própria orelha, mas somente eu tenho a honra de ter a orelha cortada pelo Evandro Affonso Ferreira!

Quem não tem medo do lobo mau e da literatura que venha nesta quinta-feira ao lançamento deste livro imenso que tive o privilégio de fazer a capa.
Será às 19hs - até as 22hs - quinta agora, reitero, dia 18 de novembro, na Livraria Cultura da Paulista, loja Record.
É isso, abaixo publico a orelha que o Van Gogh de Higienópolis lisonjeiramente me cortou:


"Minha Mãe se Matou Sem Dizer Adeus

Qualquer pessoa que realmente goste de literatura sabe que um livro não é somente um objeto portador de escrituras. É, sim, um ser que, em meio à sua leitura, irá invariavelmente nos manusear, nos apalpar, nos abraçar, nos riscar, nos rasgar, nos amassar e nos amar antes de completar a sua experiência conosco. É nesta compreensão que Evandro Affonso Ferreira esculpe o livro magoado. Minha Mãe se Matou Sem Dizer Adeus nega a beleza a cada domingo-capítulo. Toda página é um bloco específico de rancor. Toda linha significa uma perda. Toda palavra é dor. Mas dor não faz literatura, a literatura é feita de livros. Todavia, o livro magoado dói. Mais do que em ambientes saudáveis, mais do que em amores bem sucedidos, mais do que em classes abastadas, é na complexidade da decadência que a vida que , ao se dilacerar em derradeiras pétalas, dá seu grito estético mais intenso - recupera a intensidade do parto. E o livro magoado nasceu esferografado em guardanapos. O fato é que - em um mundo em que a glória passa distante, a saúde é finita e o amor é um mito – mesmo que em diferentes medidas e diferentes formas de se relacionar, todas as pessoas reconhecem a perda e a desilusão - assim como o desejo obscuro de abandonar o projeto de felicidade recebido natimorto pela civilização. Evandro faz desta decepção uma anti-canção urbana e, deste abandono dos sonhos, ele concebe seu plano literário. O livro magoado é um amigo íntimo que acabamos de conhecer e, não obstante, está de partida. O estilo de Evandro se delineia de forma difícil de definir. Dispensando artigos e compaixão gramatical, sua escrita é ao mesmo tempo lenta como um náufrago que espera por ninguém agarrado a uma tábua de madeira no meio do oceano, e igualmente veloz, como os últimos movimentos de um sujeito a se afogar nos estendendo a mão a quilômetros de nós. O texto repleto de metáforas jamais nos leva a crer que estamos lendo um poeta. A forma como Evandro anuncia imagens jamais nos tira do chão; ao contrário, mantém nossos pés conectados ao solo qual efeito de um vidro de remédios reaproveitado a outras finalidades. A forma do texto e densidade do sentimento servem para criar uma forma de depressão lírica cuja leitura nos é intrigantemente leve .
Por entre pessoas-posfácio e seres éter, Evandro nos acena a possibilidade da assunção de sua pena capital. Tudo é amargo, corrosivo e virilmente fracassado no livro magoado de Evandro.
Difícil definir se “amiga filósofa” é a entidade que o prende afetivamente ao mundo ou se é exatamente aquela que autoriza o personagem a seguir em seu caminho de racionalidade rumo ao fim. Difícil descobrir se é morte ou apelo por alguns instantes a mais de vida.
Ao lermos Minha Mãe se Matou Sem Dizer Adeus é fácil perder o fôlego. E a impressão que temos é a de que ele está se esgotando para sempre. Ele nos diz “adeus meu poeta não nos veremos nunca mais; sei que você treme, mas não é de medo; eu sim”.
Seria impróprio referir-se a este organismo-texto de forma direta, teórica, técnica. Como buscar compreender a palavra dor ou a palavra mágoa por sua definição no Aurélio. Para entender a dor, é preciso permiti-la. Leia apenas se for capaz.
É sempre domingo; chove chora. O livro magoado abre a trilogia das mágoas de Evandro Affonso Ferreira e eleva por fim o fracasso de vida à categoria de obra de arte".
Fernando Chuí

(imagem: capa do livro de E.A.F. por Fernando Chuí)

8 comentários:

Julia disse...

quero ler viu, pena não sair essa orelha, é muito boa

Emerson Alcalde disse...

Bem interessante o seu Blog, Fernando

Abs

Emerson Alcalde

ne serafim disse...

que lindo fe!!!!!amei!

Fernando Chuí disse...

Obrigado, Ne, bjs!

Carla disse...

graças ao Criador a orelha ficou eternizada no blog! Imagine se poderíamos passar sem saber e ler isso? Lindo texto, viu? : )

ADAOR disse...

Van Gogh cortou sua própria orelha, mas somente eu tive a honra de ter a orelha cortada pela "Tubaína" de Fernando Chuí, que trouxe aos meus olhos luz, poesia e melodia que transcendem... E agora me traz a mãe de Evandro que se matou... Sem palavras diante da perplexidade sublime trazida pelo belo texto!!!

Fernando Chuí disse...

Adaor, obrigado pela parte Tubainesca que me toca!
Mas texto bom é o do Evandro, leia!
abração,
Chuí

Menezes disse...

“Quando o fracasso na vida vira obra de arte... não é mais fracasso!”

Parabéns ao Evandro pelo novo livro e a você pelo belo comentário,

Menezes