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domingo, janeiro 28, 2007

Genealogia de um Sorriso


Existe um gesto raro em mim: o sorriso.
Meu sorriso é realmente difícil. Não aprendi a sorrir como "oi", nem mesmo como um simples "boa tarde". Sinto meus músculos faciais desacostumados ou mesmo atrofiados ante a tal esforço. Nada pessoal ou blasé, sorrio pouco até para minha família, meus amigos próximos, meus colegas. E não é uma carranca ou problema algum com o riso. Muito pelo contrário, no exagero sou bom, rio das piadas mais infâmes, leio as cenas à minha volta buscando o lúdico, dou risadinhas, desperdiço gargalhadas.
Mas o sorriso, o que nos traz simpatia e graça, este eu não desenvolvi.
Talvez seja reflexo de um histórico de timidez. Possivelmente, influência de minha ascendência oriental. Contudo, retrocedendo na genealogia da minha moral, creio que, inconscientemente, acabei me condicionando desde a adolescência a pensar que sorrir é coisa de gente falsa, manipuladora ou superficial. Quiçá tenha aprendido com os filmes dos"tough guys" interpretados por Clint Eastwood e Marlon Brando que o sorriso deve ser apenas um instrumento da ironia.
Certo dia, assistindo a um outro gênero, vi um comerciante árabe interpretado por Omar Shariff dizendo a um garoto judeu que este deveria aprender a sorrir, com o que o guri respondeu "eu não sorrio porque não sou feliz, você sempre tem dinheiro na caixa, por isto sorri". O árabe citou o Torá e retrucou que seu lucro ali era pífio, e que as pessoas não sorriam por estarem felizes, mas era o sorriso em si que produzia a felicidade. Pensei que gostaria de ter visto esse filme há quinze anos, quando ainda havia salvação para minhas bochechas.
Hoje em dia eu me esforço (dentro do possível) nesta ação e admiro as pessoas sorridentes, invejo-as, sou um grande fã de sorrisos. Acompanho-os nos filmes, passo em slow motion no DVD. Percebo suas nuances, suas modalidades, estilos, níveis e as próprias variações pessoais de cada sorriso (umas cinco ou seis em cada pessoa, aproximadamente), bebo dos detalhes (infinitos), fixo meu olhar nas covinhas, nas rugas, nas dobras mais intimamente sutis de cada rosto alegre que se me apresenta.
Percebo o sorriso da boca quieta, degusto especialmente daquele que vem sob a forma de um brilho no olhar. Desta forma, aprendi com os tempos a identificar o meu próprio sorriso malocado no canto da boca e nos olhos; o pior é que eu descobri, tolo, que ele chega a ser evidente pra quem me vê.
Sou fácil de conquistar, basta sorrir para mim - talvez eu não saiba retribuir, mas certamente já estou ganho. Continuo repudiando o cinismo, a superficialidade e a falsidade da faces dos imbecis, mas agora virei um expert em matéria de sorrisos. Separo o joio do trigo.
E sigo, macambúzio.


(desenho: estudo para Graphic Novel de Chuí)

7 comentários:

Roberta Martins disse...

mais uma belo texto do amigo, um beijo grande. não vejo a hora de receber meu cd...hehehehe

Anônimo disse...

Oi Chuí,

Vou discordar se este ser que representa você. Não te acho taciturno como se identifica no final.
Você tem um sorriso tímido, mas muito lindo e carinhoso. A timidez te faz achar que não sorri, na realidade acho que nos dias atuais, é tudo ou nada e as pessoas ou escancaram suas risadas ou estão sempre macambúzias. Eu sou escancarada, tenho aquela risada escandalosa mesmo, mas já me acostumei e até aprendi a gostar dela.
Acredite, seu sorriso é peculiar e expressa um carinho muito grande juntamente com o brilho do seu olhar.
Desculpe, mas fiquei pensando que se esse é você representado, não poderia deixar de te dizer isso. Beijo

Yone

Anônimo disse...

Chuí,
Adorei você ter discorrido sobre o assunto sorriso,eu nem precisei pensar muito,pra saber que dos 5 sorrisos que em média as pessoas possuem,eu devo usar um com grande freqüência,o da timidez,mas isso nunca me impediu de sorrir,mesmo que corasse!
Adorei o desenho,e realmente espero um Graphic Novel feito por você,em breve!
Parabéns!
Beijos!

Fernando Chuí disse...

Juliana, simpática é você!
Roberta, seu cd tá chegando...
Yone, só quem é bonito enxerga o belo dos outros.
Cibele, compartilhamos desse sorriso!
Beijos do Chuí

Anônimo disse...

Fer,
já virou redundância eu 'falar' q adoro seus textos (e desenhos)!
Quando vi q o título dizia "Genealogia de um Sorriso" (> com maiúscula!), pensei: Será q, mais uma vez, vou descobrir algo q ainda não sei sobre mim?
E, para não contrariar, sim!
Tantas vezes já questionei esse meu não-sorriso (ou pseudo-sorriso). E agora vc, com toda a simpatia e genuinidade, me sorriu e fez sorrir!
Sempre pensei tb ser esse riso (do felicitar, do saudar) um tanto cínico. Dependendo do caso, claro. - Analiso de acordo com o interlocutor!
Sempre pedi: Deus, livre-me do setor de marketing! Ou de qualquer meio ligado ao público! Pois o pouco q possuo desse Sorriso, prefiro 'guardar' para o escárnio desse meu imanente lado macambúzio e, em todo o caso, para a companhia merecedora de tal 'esforço muscular/ facial'...

beijos!

Anônimo disse...

Lembro também de algo sobre o riso, que acho ter lido numa dessas histórias de crime, hà quase meio século. Alguém surpreendeu alguém rindo sozindo, e pensou: "quem ri sozinho ou está muito com deus, ou muito com o diabo." Como era um caso policial e quem pensou isso era um detetive, se tratava de descobrir de qual dos casos se tratava... Creio que seu dragão sorridente também deixou esta dúvida em seu bufão portátil!

Anônimo disse...

chuí querido, não me lembro de você tão macambúzio desse jeito. mas a maneira como nos olhamos é outra coisa, outra imagem, sensação e sentidos diversos. de qualquer jeito, esta atenção para com os sorrisos vale algum prazer. além de novos olhares, sempre.
goshti.
mais beijo da amiga Palena