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segunda-feira, outubro 16, 2006

Canção sobre um Diálogo IV - Direito à Preguiça

Chuift,

Não se trata da morte da canção, mas a agonia de um certo tipo de canção. Ou ampliando, a morte da ambigüidade na indústria cultural.

O fim do encontro entre as ditas “alta” e “baixa” culturas. É um troço do século XX. Acabou o mercado para isso. Pelo menos no Brasil.

Penso no Radamés Gnatalli fazendo arranjos para sambas na Rádio Nacional. Tom Jobim correndo com Villa-Lobos e colhendo Noel Rosa, fazendo parcerias com Vinícius de Morais, que antes disso era um poeta “sério”, cheio de moral, e então se tornou o poetinha. Concretismo e Rogério Duprat e Júlio Medaglia cimentando o tropicalismo, que também bebia no ébrio Vicente Celestino e petiscava Beatles. Walter Franco misturando os jõoes Cage e Gilberto e levando tudo isso às últimas conseqüências.

Arrigo Barnabé fazendo pop dodecafônico já era o último capítulo dessa agonia.

Você fala sobre o fim da autoria poder ser um primeiro passo para um renascimento deste certo tipo de canção – canção crítica, canção-idéia, ou simplesmente Ela. Minha visão é oposta.

Precisamos separar aqui a questão do direito autoral, e a existência mesma de um autor enquanto sujeito de um tempo, de uma cultura, de uma linguagem. Vou falar só sobre o segundo aspecto agora. Há muita gente hoje fazendo colagens de outros autores, sem conseguir chegar a ser um autor, imprimir uma linguagem própria, singular, a uma criação. É um troço que é tudo e ao mesmo tempo nada.

Precisamos do autor enquanto sujeito.

Se o mercado para Ela morreu, é possível que Ela também morra, porque nasceu dentro deste mercado.

Para que Ela renasça, dependemos exclusivamente dos criadores ainda interessados... enquanto sujeitos! Do esforço hercúleo de remar contra a maré na criação (compor um tipo de música que não tem mercado), e criar mecanismos para encontrar um público possível que faça desta música efetivamente um encontro.

E o que eu, você e os “novos compositores” estamos fazendo - talvez seja ainda tímido no confronto com o passado que citei acima, e quanto às demandas do presente.

Nós somos herdeiros do corpo torturado, privatizado, decapitado e esquartejado da cultura e da política brasileiras.

E agora?

P.S. Quando digo que nossa obra talvez ainda seja tímida, não quero diminuir o que fazemos. Eu choro toda vez que escuto teu novo disco. Seu realmente incrível sentido melódico e harmonioso, suas canções de tanto amor para com a criação, a estrutura enxuta e “anti-pop-espetacular”. “Uma Outra Ilha” é a canção-guia desta nossa discussão: “Luz, olha o horizonte, que maravilha/ Vem comigo buscar uma outra Ilha”

P.S.2.Um mundo em que “Quero Amanhecer Ao Seu Lado” e “Canção de Amor Para Márcia” toque no rádio parece tão próximo e tão distante. Por isso precisamos chegar ao topo da complexidade da sua criação (“Uma Outra Ilha”) e tê-lo como guia para ultrapassá-lo, para talvez chegar a um mundo em que possamos recuperar o clichê crítico dessas duas outras canções.

P.S.3. Me deixe mundo. Nós podemos mundar o mudo. A função antecipadora da arte. “Luz, olha o horizonte, que maravilha/ vem comigo buscar uma outra Ilha”.

Abraços,
D.


(imagem: desenho de Chuí)

5 comentários:

Anônimo disse...

Vou fazer uma campanha em prol do seu video no youtube também..

todos queremos vê-lo em sua apresentação no festival da globo

abraços

Fernando Chuí disse...

Seria bacana, agradeço a idéia de vocês, Fernando e Thiago, mas mesmo tendo o video, não tenho idéia de como passar para o computador...

Anônimo disse...

Fernando, vc tem uma placa de captura de video no computador? se vc tiver já é o maior dos avanços.. caso você não tenha.. já fica um pouco mais complicado pra você mesmo fazer..

.·.·´¯`·.·. T a t i a n a .·.·´¯`·.·. disse...

Sou novata com suas músicas, mas posso dizer q adorei, tanto arranjos quanto letras. Vejo influência de ritmos e estilo, mas é como uma vez o Chico Buarque falou, que de tanto querer tocar como o Tom Jobim, ele encontrou o jeito dele tocar; é a "mutação" da música e não a "clonagem" que faz a diferença. No seu caso, sua mutação, virou um estilo, quase sem deixar traço da sua origem musical, tive que ouvir várias vezes pra cair a ficha de q não era plágio, e sim sua essência poética e musical. Continue nesses passos. Grande Abraço.

Fernando Chuí disse...

Obrigado pelo elogio, Tatiana; realmente é nesse processo de buscar fazer aquilo que nós admiramos que encontramos nossa voz. Beijos!