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sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Fauna I


Que espécie de anjo vence o jogo?
Qual demônio habita meus troféus?
Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?

Que caminho eu mesmo que tracei?
Quais escolhas tenho diante dele?
Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?

Quantas torções, quedas, convulsões?
Quantas se assemelham a uma dança?
Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?

Quais segredos tristes eu exibo?
Quantas asas, rabos, guampas, presas?
Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?

Quantos degraus subo por conquista?
Que rostos adornam meu fracasso?
Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?

Que indústria me dá mais prazer?
Que vil solidão eu compartilho?
Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?

Que ancião se ampara no menino?
Que dor nos revela ao destino?
Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?

Qual festa coroou o escravo?
Que poder escravizou o rei?
Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?

Quais visões, desenhos, canções, versos?
Quais vão diferir abismo e cura?
Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?

Que espécie de anjo me seduz?
Qual demônio vem me resgatar?
Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?


(Fauna I - ilustração de Fernando Chuí e Márcia Tiburi)

10 comentários:

Anônimo disse...

Q musicalidade!! Adorei!!;)
Abração Chuí!
Lara

Anônimo disse...

Adorei a reflexão. Beijo

Anônimo disse...

Bom perguntar pela alquimia cotidiana de cada um.
A força retórica do texto me lançou diretamente no meu veneno. Tomara que eu possa fazer dele um remédio.
Cada um é mesmo o único responsável pelo phármakon que lhe cabe: a sua própria vida.
Mas isso é dolorido demais.
bjs
Marcia

Anônimo disse...

"A poesia é o instrumento mais generoso para eliminar a solidão,a indiferença,o desencanto,o cinismo e a discriminação.
A solidão vale como espaço para refletir em profundidade sobre o nosso destino comum e ausência de solidariedade que desequilibra o sistema social,acentua os privilégios e exclusões.Se o poema,muitas vezes amadurece sem terras,em solidão,sua existência(resistência) se justifica para lembrar que o ser humano mais uma vez não é uma ilha,mas partilha." ( Lindolf Bell)


Fernando,obrigada.
Beijos
Lourdes

Fernando Chuí disse...

Concordarmos é uma alquimia.
Poesia é phármakon, como diz a Marcia.
Beijos do Chuí

Anônimo disse...

Fernando, belo poema! Por isso te mando minha alquimia cotidiana. Escrito quando meu veneno me dilacerava. Fiz desse veneno meu phármakon. Abr, A.

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DESTA VIDA REVELADA

Que faço deste grito e deste trapo
que faço desta mágoa feita nuvem
que faço deste passo sem trapaça
que faço deste canto intimidado
que faço desta dor se vendo festa
que faço desta vida revelada

que faço deste sonho represado
que faço deste parco sofrimento
que faço do quebrado monumento
que faço dos pedaços destes braços
que faço do vazio – novo espaço
que faço dos vestígios – chão sem praça
que faço – Santo Deus – deste mormaço
que faço do meu súbito embaraço
que faço – moribundo ou estilhaço

que faço da esperança em muitas cores
que faço do arco-íris destes laços
que faço deste mundo renascido
que faço – boquiaberta deste encanto

que faço do penhor deste momento
que faço desta paz – barco sem pressa
que faço repousada dos cansaços
que faço deste cais de mil embarques
que faço do punhal que já não fere
a alma esgarçada e aos pedaços
que faço do conflito desfraldado
que faço desta força posta a prova

que faço da armadura sem fivelas
que faço do porão escancarado
que faço do brincar, do faz de conta
que faço do pileque de ideais
que faço da vidraça ameaçada
que faço da urdida tessitura
que faço do amor obcecado

que faço da criança despertada
no meu peito recoberto de heresias
que faço do meu medo libertado
que faço – capataz e operário
da profunda controvérsia deste sonho

que faço desta oblíqua direção
com desvio siga reto e contramão
que faço desta nova criatura
perdida ainda nos meandros da loucura
que faço pelo menos da ternura
que escondi na secura tão maldita
que faço desta flor despetalada
ao contato inevitável do aguaceiro
que faço destes galhos florescendo
frágil tronco se dobrando ao vento
que faço desta aurora me chegando
que faço desta entranha sem bainha
que faço da iniciação de mim
que faço?

(Aurora da Graça, 1978)

Anônimo disse...

Ainda estou refletindo nessas palavras, é a mais pura verdade " Que veneno corre em minhas veias?
Que remédio dele eu fabriquei?" Tudo que fazemos podemos pensar baseado nessas duas indagações, nunca parei para pensar que posso carregar um veneno, e que posso trabalhar ele para o bem. Me confrontou, muito bom.
Um abraço
Tatiana

Anônimo disse...

Oi, Fer! Demorei, mas 'vortei'! rs
Quanto ao tecto! É, é isso mesmo... E ainda ousaria responder às tuas perguntas!
Meu venoso veneno não é mau, mas meu auto-ludíbrio. E, concomitante, meu phármakon! Diria: meu oxigênio para viver neste mundo - 'selva de pedra' -, seja real ou virtual!

beijos!

Maisa disse...

Fernando querido, adorei o texto e sua musicalidade, a partir daí algumas elocubrações...
Do meu veneno, procuro componentes para entender a loucura e talvez encontrar a cura do significado de ser eu mesmo

Anônimo disse...

adorei a poesia, Fê!

obs. e estes desenhos todos seus e da Márcia incorporam algo que ainda n sei descrever.