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sábado, setembro 29, 2007

Sobre a Voz e os Popstars


Hoje, observando a esmo videos divulgados no Youtube de cantores internacionais como o popstar britânico Robbie Williams entre outros tantos, percebi que aquelas cenas das estrelas pop, em seus clichês de movimentação e trato com câmera e público, me traziam certa antipatia. Ora em videoclipes bem produzidos, ora em estádios lotados de massas humanas cantando em coro os refrões e agitando seus braços, constatei que eu tinha muito pouca afinidade com aquela estética. Normalmente, eu apenas fecharia aquelas “janelas” e voltaria ao meu assunto do dia. Entretanto, talvez temendo encarnar aquela postura mau-humorada de “velho que rejeita o novo”, tive um desejo de descobrir o que me afastava daquelas imagens.
Percebi que o que me incomodava, ao contrário do motivo que eu outrora atribuiria a isto, não era o enorme coro representando aquilo que Freud chamou de “sentimento oceânico”, que dizia respeito à emoção coletiva e alienante dos cultos religiosos, sendo que cada vez mais eu acredito no potencial da música e da arte como criação de ritos, celebrações, encontros com pessoas e com algo como a nossa “alma universal” - pois quanto mais nos aproximamos de nós, chegamos invariavelmente mais perto do universal; também não era nada diretamente crítico à idéia da indústria cultural, à produção sistemática de produtos artísticos para uma massa ingênua. Nada disso. A produção dentro do campo da indústria é também um campo de conflito estético e criação de novas culturas.
O que me deixava um tanto indisposto com relação àquela cênica era a displicência para com o canto e, mais especificamente, para com a voz. Não que houvesse desafinações a toda prova, muito pelo contrário, tratava-se sempre de cantores afinados, bem impostados e adequados a seu contexto.
Refleti que o efeito que ali se dava surgia de uma imagem estudada para o contexto de grandes shows em lugares públicos ou para um contexto televisivo. Um canto incorporado à construção dos eventos apenas como mais um dos elementos cênicos e, dessa forma, se apresentava esvaziado de sua poética própria.
Pensei na voz humana e no seu potencial específico nos campos visuais, musicais e literários. Sem a voz humana, não haveria música. Os instrumentos imitam o canto humano e os sons da natureza: a voz. A voz é som, texto e construção de imagens. Sem a voz, não haveria o verbo e, conseqüentemente, a literatura, a poesia, a canção. A voz é o nome que se dá, em literatura, à força poética do escritor.
A voz forja o discurso e a pintura. Porém, na cena popstar o discurso deseja forjar a voz. Nada contra o espetáculo; que contradição seria isto vindo de mim, que adoro shows – fazê-los ou assistir a eles.
Uma das quatro bases do movimento Hip Hop é o MC, o rapper. MC é Mestre de Cerimônias. Ele possui esta legenda por ter surgido como animador de eventos que aliavam música, pintura nos muros(grafite) e dança de rua nas comunidades excluídas de Nova Yorque formadas por negros e latinos. Naquele contexto, a voz potencializou-se musicalmente, exacerbando aquilo que já havia no canto falado das canções “folk”, e abrindo portas que modificariam profundamente as estruturas da música popular mundial. Era a voz em um contexto de ritual coletivo sim, mas uma voz ativa inventando possibilidades.
No rock, costuma-se chamar os músicos que, ao tocar, fazem expressões faciais ou corporais exageradas de “posers”, pessoas que posam demais no palco. Não obstante, é mais do que evidente que a cênica encontre seu espaço quando é oriunda de uma voz. O corpo é voz em Elvis, em Hendrix, em Björk, em Maria Bethânia. Mas não em Robbie Williams.
É também possível que grandes artistas levados ao contexto pop televisivo diluam - se mal projetados para esta tela - muito da força expressiva de sua música, de sua poesia, de sua pintura – sua voz. A voz em cada contexto deve ser adequada a ele, mas não soterrada.
Porque a imagem se constrói por meio da voz e não em detrimento dela, como se ela fosse apenas um “teaser”. É provável que, sem esses contextos, o mesmo artista viesse a nos revelar melhor as suas cores – ou, se não, quiçá mudasse de sua área de atuação.
A pose dos popstars elevada a estética é o esvaziamento da voz - a invenção de uma fala oca. Enquanto a voz é o preenchimento e a invenção da alma. Alheia ou própria de um corpo que se olha.
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(texto e ilustração de Chuí)

domingo, setembro 23, 2007

Mila - Cordel Urbano IV


Vou lhes contar uma história agora
(ao menos é assim como eu me lembro)
de um avião que colide num prédio.
E olha, não é 11 de setembro.
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E a cidade põe-se em alvoroço
diante da catástrofe terrível,
pois que ninguém é capaz de aceitar
evento assim tão incompreensível.
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O corpo de bombeiros chega logo,
mas sequer acham um sobrevivente.
O edifício em chamas vira agora
o espetáculo mais comovente.
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Mas num espanto, grita um dos bombeiros:
"Meu Deus do céu, que coisa mais estranha!"
Os outros vêm e dele se aproximam
pra ver aquela loucura tamanha.
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Deitada ao colo de uma das vítimas
há uma boneca qual assombração -
feita de pano e louça ela não tem
queimados, nem sequer um arranhão.
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Em sites, revistas, TV, jornais
torna-se logo assunto comovente.
No Youtube há mil declarações
sobre a boneca azul sobrevivente.
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Eu sei que pode parecer mentira
mas é verdade sim, peço que escute,
em poucas horas já tem cem mil fãs
e cem comunidades no orkut.
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Já pedem sua guarda em Brasília,
mas a população indignada,
como em um show, faz fila em frente às ruínas
e exige que ela seja ali deixada.
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E toda vez que alguém se aproxima
as coisas mais incríveis acontecem.
As dores curam e os cegos vêem.
Tumores, mágoas já desaparecem.
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E dos milagres que aqui se dão
na Casa Branca, um assessor já fala
ao presidente americano que
lhe dá a carta branca pra buscá-la.
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Mas antes que isso possa acontecer
o Vaticano pede a sua guarda.
Diz que a boneca deve ir a Roma
para em dias ser canonizada.
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E o povo se revolta com a disputa.
Sai pelas ruas e agora canta
um coro de protesto e proteção:
"Jamais nos tirarão a nossa santa!"
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E eis que, quase guerra declarada,
a bonequinha então desaparece.
Caos e revolta generalizada.
E ninguém viu nem sabe o que acontece.
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O mundo agora reclama sua volta.
Um deputado faz greve de fome.
Mas já não há sequer algum sinal
daquela santa que nem tem um nome.
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E o prefeito decreta feriado.
Envia até a polícia militar
pra descobrir o paradeiro dela.
O povo todo põe-se a procurar.
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Após uma semana de procura,
a bonequinha azul é encontrada
numa menina agarrada em si
dormindo só, à beira da calçada.
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Chorando de tristeza ela segura
aquela linda boneca de louça,
gritando "Mila! Mila, não me deixe!"
mas já não há ninguém ali que a ouça.
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E a boneca que agora tem nome
lhe é tirada à força pelo povo
que a carrega numa passeata
e já celebra a salvação de novo.
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Mas um agora tenta lhe beijar
e o povo nas ruas se acotovela.
Há gritaria e pisoteamento
para tentarem chegar perto dela.
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E vejam só, já não há mais milagres.
Há cada vez mais cegos, não há mágica.
E a população, que antes cantava,
se envergonha com a cena trágica:
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É que ao tirarem da menina a santa,
ela acabou também pisoteada.
Um vira-lata lambe então seu sangue,
ao lado da sarjeta, desmaiada.
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E o povo então, com dor na consciência,
devolve a ela a boneca divina.
De mão em mão a boneca é passada
até chegar ao colo da menina.
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Assim que ela é tocada pela santa,
seus olhos se abrem de felicidade:
"Oh, minha Mila, que bom que você
voltou pra mim, pra nossa amizade!"
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E a cidade volta ao caos normal
como se esta fosse a sua sina.
Mas toda noite Mila é protegida
pelo calor do corpo da menina.
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(Texto e desenho de Chuí)

quinta-feira, setembro 20, 2007

Estrela Morta II

(Esta noite, pesquisando na internet, me deparei com esta foto da morte de uma estrela. Pensei na morte, nas estrelas, na minha própria canção. No texto de uma velha amiga que li por esses dias sobre as saudades de sua linda avó. E em uma outra pessoa querida, tristíssima com a doença de seu pai. Vieram-me à mente, não sei bem porquê, os versos lendários de Luiz Gonzaga. E uma paródia, fatal.)

Quando olhar meu corpo ardente
qual fogueira de São João,
saiba que o fogo
é como o céu, vai
se apagar, mas não morre, não.

Se ontem eu fui pó-de-estrela,
adubo amanhã a plantação.
Só tenho um corpo
e o seu amor, viu,
saudade é reencarnação.

Quando um dia lhe tocar
uma triste solidão,
espere a chuva
cair de novo
que eu torno em gotas pro seu sertão.

Até mesmo estrela morta
sobrevive sem razão.
Então não há mais
adeus, Rosinha.
Guarde no ventre esta oração.

Quando o negro dos meus olhos
se espalhar na escuridão,
eu lhe asseguro,
não chore não, viu,
que eu voltarei no seu coração.


(Imagem: fotografia da morte de uma estrela/Texto: Chuí)

sexta-feira, setembro 14, 2007

6 E MEIA


Quem jamais houvesse habitado, ou mesmo visto a metrópole (este estranho organismo repleto de seres correndo contra o tempo - como se o tempo fosse um poderoso vilão), por certo estranharia esses enigmáticos buracos nas laterais das calçadas.
Ao ouvir a alcunha de “boca-de-lobo”, talvez imaginasse um ser humano sendo engolido pela fera, agonizando com os braços e a cabeça ainda para fora. Quem sabe no instante seguinte vislumbrasse naquela boca outro dono, quiçá um rato a comer um pedaço de queijo.
Esse rato agora voa, é um morcego exibindo suas presas com sangue (sem dúvida sangue humano; pois que não ainda não se tem notícia do sangue da cidade). Fidel e Che, lado a lado, aguardam firmemente a próxima enchente para se entorpecerem com os nossos detritos tóxicos. Um pirata que não está só. Com apenas um olho nos vê e tem ao lado o papagaio que lhe conta piadas sobre nosso patético cotidiano. E ainda outra face que vem tragar, não o cigarro em sua mão, mas nosso próprio espírito citadino encarnado (ou empedrado?) e mau-encarado, nos baforando de volta a nossa própria poluição.
Surpreendam-se!
Estas imagens não surgiram de mentes fantasiosas de outra era ou de outro planeta, mas de jovens artistas oriundos da própria cena metropolitana.
O Projeto 6 E MEIA, dos artistas urbanos Anderson Augusto e Leonardo Delafuente, desafia a estética caótica da urbis com uma estética urbana do caos, e renova - ao trocar o suporte dos muros pelos bueiros – a própria escola do Grafite da qual fazem parte, atribuindo, com estilos próprios para além dos cânones do movimento, vida e graça a essas bocas famintas da metrópole.
Como no contundente trabalho feito sobre a tampa de concreto arrebentada onde a pintura nos mostra dentes humanos arrancados por sabe-se lá qual surra ou catástrofe urbana sofrida. 6 E MEIA nos mostra que são nossos os órgãos fraturados quando a cidade se espatifa em si.
Há nessas obras algo para além de cômico. Para além de belo. Crítico e, ao mesmo tempo, leve.
Parem tudo e olhem pra Ela! A boca do lixo não cala, faz-nos rir de nós mesmos: Refletirmo-nos - qual espelho a nos ironizar e salvar. Em plena hora do rush, o vilão agora se assombra. O relógio urbano bate 6 E MEIA em qualquer parte.
É hora de matar o tempo – com o veneno da arte.
http://www.6emeia.com/

(Texto de Chuí para a exposição de fotos do projeto 6EMEIA de Leonardo Delafuente e Anderson Augusto/ foto: intervenção do grupo 6EMEIA)

O SAMBLUES 3!

Amigos, mais uma noite deliciosa de Samblues no Syndikat ontem.
Obrigado aos que participaram conosco desse encontro que já é ritual.
Um beijo especial para meu tio Guilherme que veio de Santos para conhecer o trabalho, e para Silvia e Lena, sempre presentes engrossando fortemente o coro do nosso "Drops".
E um agradecimento renovado ao meu brodíssimo Hamer - que cara sensacional - por toda a força no projeto, pela viola e pelo backing vocal bêbado no Tem Cará, Tem Cascudo e tem Traíra.
Já aproveito para convidar a todos para o Samblues 4! que deve acontecer na terceira semana de outubro e aproveitarei para celebrar meu aniversário nesta festa tão boa.
Valeu Guimets, sua guitarra é um luxo.
Vai lá, Guapponi! Tão grande na gaita como no espírito!
Quanto privilégio o meu.
Beijos a todos,
Chuí

(imagem: Guima/Chuí/Guappo 2006 - foto: Vinícius "Fênix')

domingo, setembro 09, 2007

SAMBLUES 3!


Amigos,
Nesta quinta, mais uma edição do Samblues lá no Syndikat.
Mais Adoniran misturado com Django Reinhardt, Cartola misturado com Robert Jonhson, Albert King misturado com Jorge Benjor, etc.
Eu e Guapponi preparamos versões novas em folha para esta festa.
Mais músicas novas minhas - algumas oriundas de textos deste blog - e um improviso surpresa (sem ensaio!) de viola caipira com gaita blues.
Espero tê-los por perto para este novo ritual.
E que seja uma maravilha como os anteriores!
Beijos a todos e até lá!
Chuí

segunda-feira, setembro 03, 2007

A Crina


Cavalgo em teus escombros.
Na superfície, ruínas;
no fundo, uma paisagem.

Vejo ali um pulsar
muito maior do que a minha paz.
Dentro de mim, uma distância
que mergulha em tuas secas;
faz dos teus ruídos
minhas preces.
Não sei te montar;
só durmo agarrado a ti
para tragar pra dentro dos meus azuis
teus pesadelos.
Na superfície, eu te aperto;
no fundo, um espasmo.
Afago a crina de cinzas
e sopro meu nome sobre ela.
Sob a nuvem de pó que se levanta
um vermelho vivo se revela.
Sei que são brasas tuas bocas,
mas beijo-as mesmo assim.
Na superfície, me queimo;
no fundo, me protejo.

Pois tua miséria é um cavalo indomável,
sem dono, sem nome,
sem cabimento.
.
Na superfície, eu te necessito;
no fundo, eu te amo..
..
.
(texto e imagem: Chuí)