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sexta-feira, novembro 24, 2006

Wow, The Dirty Darling! - Crônica de uma Banda de Garagem IV


Se você fosse minha

If you were mine

I would shot you down

If you were mine

I would kiss you

People think I´m crazy

They said you´re gone

but you are here by my side

Dead wearing your leather boots

Oh, baby I thought that you were so cool

Oh, baby I thought that you were so good

But You

You are so Dirty, Darling

You are so Dirty, Darling

(DD, 1990)


If you were mine foi um dos primeiros rocks do Dirty Darling.
Um riff de guitarra e uma progressão de quatro acordes básicos trazidos pelo Danilo, uma letra em inglês - toda banda de rock começa a compor na língua do colonizador, é claro - cantada/falada pelo Bigatto e algumas alterações na forma feitas por este que vos fala.
A letra, se traduzida, diria "Se você fosse minha/Eu a jogaria no chão/Se você fosse minha/ Eu a beijaria."
- Essa música vai ser o carro-chefe do nosso primeiro disco! Nosso hit! - bradei eu, sonhando alto, no final do ensaio.
Curioso, o tempo presente em uma banda de garagem costuma ser conectado ao tempo futuro.
O desejo de constituir obra, tocar bem, gravar discos, fazer shows, fazer sucesso. Não há nada mais intenso do que o momento em que se deseja algo com muita força. Se for um desejo coletivo então, nem se fala. É como quando um casal se apaixona terrivelmente e passa a se projetar no tempo, pensa em construir a vida, pensa em criar filhos, pensa inevitavelmente na eternidade. O presente se torna luminoso como nunca pela sensação de poder se condensar numa coisa só com o futuro. É como numa banda de garagem. Só trocam-se as declarações de amor eterno pelos planos adolescentes de sucesso, trocam-se as noites de amor sem fim pelas tardes divertidas de ensaio. A banda de garagem se norteia pela ponte imaginária que dá passagem para os grandes shows que acontecerão, os discos que serão gravados, a obra que influenciará multidões, o reconhecimento da crítica, o sucesso, o sucesso.
O Dirty Darling também vivia ancorado ao futuro, mas provavelmente a um outro futuro.
A gramática nos explica que existem dois futuros, aquele que ainda virá a acontecer e um outro que acontece em um universo paralelo, o que somente poderia vir a ser - o futuro do pretérito. O DD possuía integrantes pouco alegres, pouco arrojados e mau humorados, assim não haveria de se esperar um grande otimismo daquele círculo de rebeldia discreta. Mesmo quando a matéria viva era o sonho, nos protegíamos nesse outro futuro, que traz a idéia de um lugar protegido pelo ceticismo.
A letra continuava com "As pessoas pensam que estou louco/Eles dizem que você se foi/Mas você está aqui ao meu lado/Morta com suas botas de couro(...)". Na mais pura tradição romântica, amávamos a mulher morta. O sucesso para nós vinha na figura de um amor inatingível. Sonhávamos intensamente, para dentro do limbo onírico.
Tocar nosso som era como se tivéssemos a plena consciência da lógica estrutural do mercado ao dizer à tão sonhada vida de rockstars: "Se você fosse minha/Eu a beijaria/ Mas você/ Você é tão suja, querida".
O nome da banda não veio da música, o refrão é que surgiu do nome da banda. O nome em si veio de um diálogo de um filme pornográfico, onde o sujeito diz - em contexto cênico que prefiro omitir aqui - para a moça "You are so dirty, Darling".
Era disto que se alimentava o DD, da cultura pop marginal, dos filmes sujos às bandas desconhecidas. Pois não houve jamais os grandes shows, os discos, tampouco o reconhecimento público - nada era público. E se não havia nada público, tudo ali era pessoal. Nosso sonho era coletivo e pessoal.
Esta constatação torna evidente para mim hoje uma verdade: o sonho é uma entidade viva em si para cada um e para todos, e não uma mera primeira etapa da realização de um projeto claro. Pois que, mesmo quando ele parece se realizar, nada é como se imagina; e mesmo quando tudo parece dar certo, nada acontece como o premeditado em nossas mentes.
Ou seja, mata-se um sonho no momento em que ele se realiza.
E para nós, que não tínhamos realmente a crença em nosso desejo, ficava nítida sua importância. Este desejo era a nossa melhor qualidade, pois o que há de mais belo em uma pessoa é aquilo que ela mais desejaria ser, se pudesse.
Aquele sonho que não se realizaria fundou nossa identidade.
Na última fase da banda, o Bigatto adquiriu em uma liquidação um calçado, um genérico do All Star, que nos levou a uma música nova, esta já em português, que dizia "Eu comprei um tênis/ Um sapato como eu/ É da marca RockStar".
Rock Star para nós nunca passou da sola de borracha ao rés-do-chão.
Dizíamos Se você fosse minha, nunca Quando você for minha.
O tempo presente do Dirty Darling sempre foi o futuro do pretérito.

(continua...)

4 comentários:

Anônimo disse...

Oi Chuí,

Gostei muito da crônica e da reflexão da Márcia sobre o desenho. Parabéns para vocês. Beijo

Yone

Anônimo disse...

Cada dia melhor,rss
Parabéns!
Bjo

Anônimo disse...

Adorei esse jogo de tempos, atos, palavras - verbais e deverbais!!!

"... mata-se um sonho no momento em que ele se realiza." Grande! 'Veritate'!

Revelações: isso gera polêmica! rs

The DD estão ganhando mais uma fã!

beijos!

Anônimo disse...

Bacana Fernando!Crônica de uma banda de garagem me lembrou o João,meu filho,quando tinha 15 anos.Tinha uma banda de rock e ensaiavam lá em casa.Êle era o vocalista e o autor das músicas juntamente com o baixista: só que todas as letras êle escrevia em inglês.Eu achava um absurdo uma banda de adolescentes brasileiros só escrever e cantar em inglês.Ainda mais em inglês que eu adoro errrrrrrrrrrrr...E o Daniel,meu outro filho, aos 12 anos já era baterista .Já imaginou o som que rolava .Hoje Daniel tem 28 anos e mora em Perth,Autrália.Na semana passada êle me disse que comprou uma bateria eletrônica Yamaha porque poderá tocar sem incomodar os vizinhos.